Autor(a): D. Matthews.
Gênero: Drama.
Classificação: PG, 12 anos.
Sinopse ou Teaser: “Gaiolas dentro de gaiolas, a prisão toma a
forma.”
Observação:
Comecei essa história para tentar pegar um ritmo de escrever e
desenvolver minha criatividade. É claro que os prazos de postagem irão
variar, até porque minha motivação varia muito com meu humor e com as
atividades na faculdade que me sugam a vida. Estou escrevendo-a capítulo
por capítulo, então nem eu mesmo sei quantos capítulos serão ou o que
virá pela frente. Mas meu ideal com essa história é criar um roteiro
onde cidadãos que pareciam já sem esperança perante uma sociedade
injusta e um destino implacável conseguem se reanimar e mudar a forma de
enxergar as coisas, a partir da amizade e da coragem.
"As coisas acontecem de forma um tanto quanto estranha,
talvez o caminho desconhecido possa estar correto e você pensava em voltar
atrás, você nem sabia, mas não havia ninguém que pudesse lhe informar, talvez
um silêncio possa simbolizar um “muito obrigado!”, quem sabe?"
A reunião estava marcada e prestes a ocorrer. Poucas
badaladas separavam o atraso da pontualidade, mas para aquele que desconhecia o
significado de compromisso isso era mera formalidade. Dessa vez o encontro era
no banheiro masculino da oficina mecânica do final da Rua Bélgica, ao lado do
parque do canário. Lugarzinho imundo esse, para poucos convidados realmente.
O rei estava a postos, debaixo da sua corona de
plástico. Mal sabia o porquê de estar ali, teria aparecido subitamente como
aqueles que aparecem sem ter convite em festas de crianças inocentes menores de
idade? Ou será que estava tendo uma amnésia? Dormiu e acordou ali? Quem é que
se importa? Quem é quem aqui?
O que se sabe nesse momento é que ainda restavam
evidências naquele lugar, e esse era o problema para a vossa majestade, o
sujeito não queria deixar vestígios, era do tipo: “estou aqui, mas não olhe
para mim!”, desceu de sua poltrona real, foi até a torneira, jorrou água sobre
seus dedos, então tirou um trapo do bolso traseiro da calça, o molhou e passou
sobre as marcas que havia deixado na porta do lugar, guardou o pano, caminhou
de volta para a poltrona, sentou-se e por lá aguardou a chegada de seus
convidados.
Não demorou muito para o primeiro aparecer, de botas
negras e chapéu estranho, com cara de culto, mas derramando suor, adentrou o
local com reconhecível pressa.
- Veio caminhando, Sebastian? – perguntou vossa
Majestade.
- É o que parece, não é? – responde o pobre homem.
- Miserável, não está vendo que sou o Rei? Deve me
tratar como autoridade e não como um desses seus coleguinhas infames! –
exclamou.
Sebastian pensou um pouco, olhou para um lado, olhou
para o outro e interrogou:
- Mas então, vossa Majestade, por que carga d’água
está sentado nesse vaso sanitário? É o rei da disenteria por acaso?
Visivelmente irritado com as piadinhas do rapaz, o rei
decide tomar uma providência. Levanta-se de seu recinto e abaixa a tampa,
então, mais do que preocupado, aperta o botão na parede. Um turbilhão de água
ouve-se descendo dentro da privada, um cheiro incomum toma conta do local, e
ele o diz:
- Você me cansou, meu caro, já estou farto desse seu
comportamento, se você soubesse o quanto é valioso os bons modos de um sujeito
nos dias atuais, você não teria feito isso, justamente eu, que te dei a chance
de recomeçar na vida, te tirei daquela fossa em que estava e te dei tudo o que
precisou e é assim que me agradece?
Sebastian parece sem vontade de responder, mas para
bom entendedor meia palavra basta, já aquele silêncio era um tanto quanto
irônico para um cavalheiro que não calava a boca assim tão facilmente, talvez
uma demonstração de gratidão? Seria então o ato de calar como uma forma de
mostrar-se grato ao Rei ali em sua frente? As coisas acontecem de forma um
tanto quanto estranha, talvez o caminho desconhecido possa estar correto e você
pensava em voltar atrás, você nem sabia, mas não havia ninguém que pudesse
lhe informar, talvez um silêncio possa simbolizar um “muito obrigado!”, quem
sabe?
É nesse exato momento que o segundo convidado aparece
para a reunião, um menino de aparentemente 12 anos de idade oriundo da
escuridão da oficina abriu a porta de madeira que protege a privacidade dos
tripulantes ali embutidos. Garoto franzino, com um cabelo de tigela cortado
errado e franja caindo sobre os olhos, no que aparece porta adentro é abordado
pelo convidado número um:
- Está atrasado meu rapaz, quinze minutos, perdeu a
hora?
O garoto olha para o chão, com visível timidez,
avermelha as bochechas, então ergue a cabeça, encara Sebastian com seu rosto
pálido, e diz:
- Não tenho culpa, o trânsito estava congestionado,
você sabe que nessa hora é que os motoristas voltam ao trabalho não?
- Veio de carona, então? – Pergunta o rei que até ali
apenas ouvia o diálogo.
- Vossa majestade, você sabe que não gosto de pegar
carona! – Responde o pequeno.
- E então? – O rei engole saliva e volta a indagar.
- Vim pilotando, ué. – Responde o moleque.
Sebastian e vossa majestade se entreolham com nítido
espanto, então um sorriso irônico na cara do homem de chapéu faz com que o rei
entenda que a história seja uma possível calúnia. Uma breve pausa sonora então
toma conta do local, até que o garoto abre a boca:
- Alguém está chegando, ouço os passos, já podemos
começar.
E ele estava certo, segundos depois, o mais atrasado
dos convidados se aproxima do local, batendo os calcanhares no chão, entra com
um lenço no pescoço, uma vela de cemitério na mão e um cigarro na boca, cabelos
negros longos, abaixo da linha do ombro, olhos profundos, alto e robusto. O rei
dá as boas vindas:
- Estivemos esperando Ramon, será que você não
consegue cumprir um único compromisso no tempo combinando?
Ramon sorri, encara o rei e diz:
- Mil perdões vossa majestade, mas sabe como eu
valorizo meu descanso, acabei despertando as 18:35, mas não aguentei e dormi
mais um pouco até as 19:50, talvez não tivesse chegado inteiro se não tivesse
feito esse descanso extra.
- Você sempre inventando desculpas não é? – Pergunta
Sebastian.
- Não se intrometa onde não é convidado Sebastian! –
retruca o convidado.
O anfitrião aproveita o embalo:
- Realmente Sebastian, deveria aprender a ter modos,
você é rude demais com seus amigos.
- Posso até ser rude, mas você é quem vive com essas
manias de arrumar lugares estranhos para nos encontrarmos, o que é que viemos
fazer aqui? Descer o barro? – Responde o homem de chapéu.
- Me respeite ou tomarei providências severas, estou
lhe avisando. – Responde.
- Mas pra quê a vela Ramon? – pergunta o pequeno jovem
ao homem de cabelos longos.
Realmente, aquela vela acesa era um adereço muito
incomum, mas o estimado homem fazia questão de segurá-la, mesmo com a cera
derramando sobre seus dedos, ele parecia não sentir nada, era como se não
houvesse nada de diferente ali. Mas Ramon responde:
- A vela me mostrou o caminho, e sua chama me diz a verdade.
Sebastian como sempre, decide dar sua contribuição
para a conversa:
- Pelo jeito foi no bar antes de vir até aqui, to
suspeitando que nesse lugar só tenha loucos, o cara agora conversa com uma
vela? O menino diz que dirige com 12 anos? O Rei acha que uma privada é seu
trono? Eu preciso sair logo daqui, porque senão daqui a pouco estou numa camisa
de força também!
Visto que cada um dos três convidados já estava no
ambiente para o início da reunião, mesmo que com 35 minutos de atraso, o Rei
decide tomar voz e iniciar a celebração:
- Muito boa noite a vocês, caros amigos, esta é uma
ocasião especial para nossa associação, na última noite conversei com um
enviado de Calamora, e ele me passou informações importantes sobre o que vira a
ocorrer no passar de alguns dias, mas para isso, peço que mantenham segredo
sobre o nosso encontro e qualquer informação que ouvirem aqui. A hora está para
chegar e nisso, terão de agir também.
O Rei encara seus convidados, um a um, fixando-se o
olhar sobre eles, logo então, ao obter uma resposta positiva com o balançar da
cabeça deles, toma um ar e continua:
- Estamos vivendo em circunstâncias turbulentas, os
negócios não andam bem, na semana passada entrei numa loja e percebi que não
havia ninguém atendendo, pensei: “Essa é a minha chance!”, mas parei, pensei no
que aconteceria a mim se eles me pegassem, pensei no que aconteceria a vocês,
sim, vocês meus afiliados, eu pensei em vocês, e a mulher que atendia apareceu
e me tratou com uma tremenda arrogância, ela deveria me agradecer por não ter
trapaceado com ela. Parece que educação foi esquecida naquele lugar, por isso
hoje eu estou aqui para dizer-lhes três coisas...
Fazendo uma breve pausa, Ramon, que estava encostado
na parede decide falar também:
- Essa mulher aí deveria combinar com o Sebastian,
porque não falou que tinha um amigo interessado nela?
Nesse momento, o moleque ri, o Rei também, e apenas o
homem de chapéu se mantém em silêncio, estranho comportamento, parece diferente
do normal, parece estar viajando em nuvens de pensamentos, flutuando em outra
dimensão, não é o Sebastian que conheciam.
- Você está bem Sebastian? Está diferente hoje? –
Pergunta vossa majestade.
Não obstante, Ramon interfere:
- É isso que dá arrumar esses sujeitinhos aí para
trabalhar convosco, aonde já se viu, um malandro ranzinza e uma criança que
deveria estar na escola? É isso que vossa Majestade chama de companheiros?
Enquanto Sebastian permanece calado e cabisbaixo, parecendo
não escutar as ofensas, o garoto olha torto para Ramon e responde:
- A aula já terminou! E você? O que tem de tão
importante assim? É só um marceneiro desempregado!
O Rei percebendo o patamar em que o diálogo se
encaminhava decide botar ordem na casa:
- Parem com isso, aqui não é lugar para esse tipo de
discussão!
- Parece lugar para uma boa diarreia! – Diz
ironicamente Sebastian, que parece ter voltado de suas epopeias em pensamentos
da mesma forma como entrou, nesse momento, após os risos, todos o encaram,
percebendo a estranha forma como agia.
- Sentimos sua falta, cansou de brincar de estátua? O
que houve Sebastian? – Questiona Ramon.
- Estive pensando em algumas coisas – Responde.
O rei, vendo que o papo estava se arrastando demais,
decide tomar as rédeas:
- Muito bem companheiros, chega de papo! Tenho uma
tarefa para vocês realizarem dentro de 48 horas, na madrugada de sexta-feira,
vocês atravessarão a Avenida das Palmas e chegarão até as margens da rodovia,
lá, próximo a entrada do milharal do Gualberto, verão uma placa dizendo:
“Moinho Sete Quedas”, entrarão lá, e atrás haverá uma reunião entre a alta
cúpula dos Farinheiros, marcada exatamente para as duas horas da madrugada.
Agora, prestem bem atenção: Sem fazer barulho ou chamar atenção, invadam o
moinho, entrem no escritório do Chefe, abram a segunda gaveta e tragam os
papeis que tiverem em um envelope amarelo, certo?
O que realmente havia naquele envelope ninguém sabia,
muito menos poderiam saber o que diabos estariam fazendo um bando de rapazes
atrás de um moinho às duas horas da manhã! Mas para quem se reúne num banheiro
de oficina para uma reunião importante, qualquer coisa pode acontecer!
Os homens ali se entreolharam, pareciam ter entendido
bem o recado e a importância da missão, ninguém questionou nada ao Rei, nenhuma
dúvida ou objeção, parece que o tom de piada havia ficado para trás, pois nesse
momento, aqueles senhores estavam sérios, comprometidos, totalmente diferentes
do que se via há minutos atrás, a missão parecia importante demais para aquela
organização.
O Rei percebendo que seu recado foi passado fez as
últimas ponderações:
- Agradeço a presença de vocês e tenho plena confiança
de que conseguirão cumprir o objetivo, eu estarei preparando terreno para que
possamos avançar, é o mais importante nesse momento, preciso conversar também
com uma velha amiga, ela irá me esclarecer alguns tópicos importantes, uma boa
noite meus afiliados!
O rei então deu meia-volta, ergueu a tampa e sentou-se
novamente no vaso sanitário, após isso, fechou a porta da cabine e trancou-a,
desaparecendo deste então.
Antes de sair, o menino pergunta:
- Então, seus bobocas, querem carona?
Sebastian não perdendo a oportunidade, responde em tom
de humor:
- Carona no quê? Na sua bicicletinha? Esse moleque é
engraçado!
- Se duvida, então melhor assim, não sou eu que vou
ter de caminhar até o outro lado da cidade! – respondeu.
Então, no que o menino desapareceu sob a penumbra
daquela oficina, ouviram-se o som de um motor roncando, pensam ser o pai do
garoto que veio lhe buscar, mas Ramon, que por sinal, ainda segurava a vela em
sua mão, aproveita e pergunta ao sujeito remanescente:
- Sebastian, naquele momento em que você disse estar
pensando, você não estava pensando, eu nunca te vi pensar, mas estava muito
estranho, longe desse mundo,o que estava havendo?
- Até parece que me conhece, seu panaca, por que é que
não pergunta para a sua vela falante então? Mas pra falar a verdade, percebi
que não estávamos apenas em quatro naquele banheiro.
Ramon o encara com olhar curioso, questiona:
- Como assim?
- Em uma das cabines eu vi sapatos de palhaço enormes,
havia alguém lá, eu ouvi risos, você não ouviu?
- Pelo jeito não sou eu que estou ficando louco não,
eu hein? Palhaço? Riso? Você só pode estar de brincadeira! – retruca o sujeito
de lenço no pescoço.
- Não, eu tenho certeza, ele falou algumas palavras,
eu entendi, ele disse: “Cabeça de porco!”, ficou repetindo, eu não entendi o
que queria dizer, depois disso ele sumiu.
- Cabeça de porco? Sebastian você deve estar com fome,
só pode ser isso, vamos lá à padaria, eu te pago um lanche. – Convida Ramon.
E assim, todos desapareceram deixando aquele lugar
solitário, a lua então veio a aparecer no céu negro e sem nuvens, parecia que
alguma coisa iria acontecer, mas independentemente do que aconteça, as coisas
sempre tem que acontecer, inevitável. E no final tudo se dissolve na fumaça dos
escapamentos.
3 comentários:
Cara, que perfeição. Adorei a escrita, o enredo, o mistério... Parabéns, tu escreve muito bem. By: Rocco
Gostei da estória, bem misteriosa e intrigante. Só tente não exagerar mais nas vírgulas: use mais pontos, deixe sua sentença mediana.
Beleza, valeu pela dica, vou tentar melhorar nesse ponto! (:
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