domingo, 13 de maio de 2012

Um jantar com estranhos – Capítulo II – Encontro marcado


Autor(a):  D. Matthews.


"[...]quem sabe esse passado possa explicar coisas daqui para frente."

Em uma estranha hora de um estranho dia de uma cidade estranha, a impressão era que todos os indivíduos daquela vista estivessem preocupados com seu descanso, até mesmo os cães e gatos, alguns dormiam no chão, outros na cama do seu dono, alguns tinham suas próprias moradias e como há também os mais necessitados, alguns passavam as madrugadas nos cantos frios escondidos e solitários. A preocupação sempre tomou conta daquele lugar, preocupavam-se em acordar cedo, em tentar mostrar a seus colegas o seu valor, preocupavam-se em acender velas, comprar fósforos, ganhar dinheiro, entre tantas outras coisas, poderíamos inclusive chamar aquele lugar de Vale das Preocupações. O relógio na prefeitura anunciava que o tempo nunca deixou de correr, o tempo jamais parou, mas a cidade parou, menos para um guerrilheiro.

Era madrugada de quarta-feira, mas parecia Verão de 1967, o silêncio cobria as paisagens e o vento tocava sua melodia sobre as folhas. Acordado estava o garoto, morando no segundo andar de uma casa velha de madeira, tapera essa de tanta magia, de tanta beleza, nós nos apegamos a uma determina casa, tanto que dói ter de se despedir dela, deve doer para um filhote de pássaro ter de um dia deixar seu ninho, especialmente porque foi ele que nos abrigou quando éramos tão pequeninos. Lembro-me ainda daquela árvore majestosa que um dia foi meu refúgio, um dia o tempo passa tanto que estamos toda semana em uma casa diferente. Mas muitas coisas passavam pela cabeça do rapaz de objetivos incertos, queria ele ter tido êxito na prova de Geometria, mas era algo quase incompreensível para sua cabeça, quase como querer ensinar uma tartaruga a falar, queria ele ter passado a última semana na casa de sua tia, Matilda, mas não tinha autoridade suficiente para discutir isso, mas de todas, uma preocupação era a mais evidente na cabeça dele e era esse o motivo da sua insônia: A reunião dos Farinheiros.

Durante um bom tempo esse bravo moleque foi um mau exemplo para todas as outras crianças de sua idade, " - Aqueles pirralhos idiotas que se acham donos do mundo!", era assim que definia seus colegas quando sua mãe perguntava o por que dele andar tão só, era visto com maus olhos porque ele não sabia brincar como os outros. A juventude é exagerada, vive inventando histórias de batalhas intergalácticas e guerras do Faroeste, mas de certo modo, esse menino era moderado, doce, salgado, azedo e amargo, tudo ao mesmo tempo, não conhecia fantasias, vivia da realidade e em qualquer lugar que ele pisasse a briga era dada como certa, muitas vezes ele mesmo não fazia nada, mas apenas sua presença já era o prenúncio de violência.
Há determinado momento em que se torna bandeirante, precisa-se desbravar novas matas, sentir o cheiro da flora, mas mais importante que isso, mais importante que qualquer outra coisa é necessário sofrer, desenvolver formas de encarar a dor, exalar imunidade após beber veneno.
 Um dia desapareceu de seu lar, já não fazia mais sentido essas manias de organização pregadas por seus pais, muito menos as tarefas de casa mandadas por sua professora insensível, a vida tratou de dar um duro golpe em sua cara e esse cidadão buscou um objetivo já projetado: conhecer as terras imundas em que pisava. Ninguém soube do paradeiro dele durante mais de cinco meses, no rádio seu nome era citado constantemente, depois do noticiário político, mas sem muitas perspectivas, até que num dia comum reapareceu em frente a sua casa, aquela mesma fortaleza da qual se tornou príncipe, mas diferente estava, parecia ter sofrido uma lobotomia, o menino sempre condenado por suas ações, o mau exemplo da sociedade agora era o presidente da sua vida, já não era o mesmo garoto, ninguém na vizinhança soube explicar o que aconteceu, nem mesmo dona Cecília, estudiosa de Freud, mas em certos momentos acontecem coisas sem sentido que tomam conta do cotidiano, em apenas cinco meses parecia ter entrado numa máquina do tempo e avançado dez anos, sem sair do mesmo corpo.
Agora era um garoto de negócios, precisava cumprir a tarefa estipulada com a maior precisão possível, um erro botaria tudo por água abaixo, as horas passavam e o sono não vinha, lembrava-se também de quando conheceu alguém que transformou em primavera aquele inverno que parecia perpétuo em sua vida, nunca mais tinha visto aquela face, mas sonhava na tarde em que toda a sua espera acabaria e ele poderia reenxergar aquelas cores vindas dos olhos que um dia o fizeram viajar. Ao imaginar esse momento, seus olhos se fecharam e o sono tomou conta de sua memória, nada mais se viu nas horas seguintes.
- Calisto! Calisto acorde! você vai perder a hora pra chegar na escola! – Avisou a mãe preocupada com o despertar do filho.
O dia já tinha amanhecido e a leve névoa cobria as ruas, ao despertar do sol de quinta-feira o pequeno homem precisava se alimentar e correr para a escola, era dia de aprendizado novo, dia de diversão também, mas a cara dele demonstrava a vontade de permanecer na cama o dia todo.
- Calisto! Foi dormir tarde de novo? É isso que dá, mas vamos lá, acorde logo! – exclamou a senhora a sua frente.
- Tá bom mãe, logo irei descer! – Respondeu.
E tirando o pijama e vestindo o uniforme, caminhou escada abaixo, sob o som do ranger da madeira velha, a casa já tinha alguns anos de vida, inesperado seria se não tivesse problemas com cupins ou com a idade da estrutura.
Quinze minutos após a presença da mulher em seu quarto ter se ocultado, o garoto termina seu café e vai em direção à sua escola. Seu pai não tinha a mesma sorte, acordava mais cedo todos os dias para trabalhar, sustentava a família com seu esforço, mas ele e seu filho viam-se apenas no final da noite, diálogos não indo além de um simples "Boa noite!".
- Boa aula, querido, seja cuidadoso, ok? – diz a mãe na despedida.
É realmente difícil para uma mãe sentir dores como as que essa mulher já sentiu, quisera ela que ateassem fogo em seu corpo, mas jamais mexessem com sua família, quantas vezes esqueceu de si mesma para pensar em seu tesouro? Toda a responsabilidade de mãe caía agora sobre o seu caçula, era seu precioso, era sua vida. A dor que sentiu quando ele fugiu de casa era inexplicável, as lágrimas cobriam seu macio travesseiro todas as noites, e em meio a tantas orações só pedia que ele estivesse bem, onde quer que estivesse. Mas há situações desastrosas que acontecem para mostrar que todo castelo de cartas que desaba pode ser reconstruído, mesmo que se percam algumas cartas.
As pessoas não costumavam dar atenção para esse menino, para falar a verdade, ele parecia ser apenas mais um fantoche caminhando na rua, se sentia bem melhor quando podia ficar sozinho e eram realmente poucos os que olhavam para ele no caminho da escola ou mesmo no intervalo das aulas, tinha um minúsculo exército de pessoas que gostavam dele e sempre apareciam para conversar, pessoas que se podia chamar de amigos, mas dentre essas pessoas a mais importante para Calisto era sua mãe.
Foi numa bela tarde de final de semana, haviam ido caminhar juntos pela manhã, fazer compras numa feira perto de casa, os quatro ali presentes formavam uma entre as diversas famílias da cidade, mas a garota de 15 anos era apaixonada pela expressão corporal, dançava ballet desde os seis anos de idade, amava se apresentar e era muito extrovertida e simpática. Todos gostavam dela, o que representava exatamente o inverso de seu irmão, tímido e introspectivo, mesmo quando tentava chamar atenção das pessoas, sua plateia era quase ninguém.
À tarde a menina tinha saído se encontrar com amigos do seu colégio, enquanto seu irmão foi até a praça próxima alimentar os pombos, era seu passatempo, às vezes encontrava algum dos raros colegas que falavam com ele ou mesmo analisava o comportamento dessas aves que não temiam sua presença e não brigavam quando ele se aproximava, os pombos eram da praça não eram como seus conhecidos, eles pareciam conhecer o menino, tantas vezes ele passou ali. Calisto tinha dito aos seus pais que voltaria logo, só queria respirar ar puro, esquecer um pouco todas essas batalhas diárias que ocorriam entre as pessoas que se aproximavam dele, as notas ruins na escola, esquecer as decepções em geral e poucos pais liberariam um garoto de 10 anos na época de sair sozinho, mas era um lugar pacato, antes do que aconteceria naquele dia nunca os pais tivessem medo. Foi exatamente às dezessete horas e catorze minutos mostrados pelos ponteiros do relógio da prefeitura, aquele mesmo que mostra que o tempo nunca para, que correram até a casa da família para dar o aviso: a bela bailarina estava no hospital, em estado grave. São coisas da vida, coisas que um dia acontecem e ninguém entende o porquê, queriam os pais ter proibido ela de sair naquele dia, mas eram incapazes, ela sempre se mostrou responsável, queriam eles naquela hora que ela fosse mais desorganizada, até um pouco mais rebelde, como as garotas de sua idade, desejavam que ela tivesse discutido, que ela gritasse, talvez apenas assim pudessem impedi-la de partir, talvez se ela fosse como o caçula, a flor da família não tivesse partido. Morreu as vinte e duas e quarenta.
No momento em que ela voltava para casa, no horário estipulado, atravessando a Rua Treze, em frente ao teatro Gaspar, um carro desgovernado, um daqueles automóveis sem direção, possuído por um péssimo motorista atravessa sem perceber e na distração fatal talvez, ceifa o respirar da pequena que era orgulho de muita gente. O carro desapareceu, acelerou naquela hora, evaporou, e só foi encontrado três meses depois caído num barranco entre a rodovia e um pequeno córrego afastado de toda aquela civilização, o motorista? Desconhecido até os dias atuais.
Por mais que o guri fosse o oposto da falecida, tinham uma relação tranquila, brincavam juntos, saíam juntos, era a única menina com quem ele tinha uma amizade naquela época, mas a pergunta que não se cala: Como o garoto descobriu sobre a morte da irmã?
Eram seis e trinta no velho marcador de horas, chegara a casa, não encontrou ninguém, estava tudo vazio, a emoção da notícia foi tão grande para os pais que eles mesmos se esqueceram do seu filho, não deixaram chave, ou ao menos um bilhete, a notícia destruiu a alma do senhor e senhora, se tornaram dois corpos apenas a torcer que não ocorresse o pior. O rapaz sentou no gramado, ficou esperando, depois cansou, caminhou de um lado pro outro, alternou movimentos, quando já parecia preocupado, a vizinha da frente, também conhecida como “Norma, a rabugenta” chega cheia de arrogância como sempre, para informar a ele o que ocorreu.
Dois dias após o moleque carrega suas poucas coisas de madrugada na sua mochila escolar e desaparece por um bom tempo. Pouco mais de cinco meses após, reaparece todo mudado e sem querer dar satisfações de onde estivera, por mais que seus pais o obrigassem de toda a forma a explicar, nem mesmo um leitor de mentes, um torturador ou um mesmo um adivinho pudessem revelar tal fato, era seu segredo, o segredo da sua vida, e mesmo depois de tantas sessões com um especialista, era impossibilitado de falar sobre isso. O tempo que permaneceu longe do mundo urbano lhe custou uma repetência na escola, mas isso não foi nada, pois no ano seguinte acabou tornando-se o melhor aluno, como num truque de Houdini, se por um lado os pais se preocupassem com o paradeiro do pré-adolescente, por outro estavam satisfeitos com o novo desempenho dele, tirando Geometria, que era algo que talvez nem mesmo o melhor professor pudesse fazer entrar em sua mente, os pais prosseguiam curiosos, mas se tem uma coisa que não mudou foi a timidez desse menino, nem mesmo com o nome nos noticiários locais ele conseguiu se tornar o centro das atenções e permanecia com poucos soldados ao seu lado e alimentando pombos nos finais de semana, alguns moradores da redondeza juram que o já viram inclusive conversando com as aves, suas amigas.
Mas muito bem, deixemos de nos focar ao passado e voltemos aos fatos atuais, quem sabe esse passado possa explicar coisas daqui para frente.
Calisto voltou da escola na quinta-feira à tarde, subiu ao quarto, terminou suas tarefas, desceu pela escadaria, jantou com sua mãe, subiu novamente a seu aposento, deitou na cama, começou a se divertir jogando uma bolinha de borracha contra as paredes repetidamente, seu pai só voltou quando o jovem já estava se preparando para dormir. E foi mais uma noite de insônia e de projetos em sua cabeça, de lembranças também, de memórias daquela cor que ele via nos olhos daquela fada, daquela musa que um dia encontrou no meio da estrada e depois a perdeu de vista.
 A sexta-feira se aproximava e com ela a missão designada pelo rei para o menino e seus dois companheiros, Sebastian e Ramon, ele gostava de sempre traçar estratégias, se havia algo que o deixava nervoso era ser pego de surpresa, mas nem sempre se podem traçar estratégias, as surpresas predominam, mas é sempre bom estar prevenido.
O dia amanheceu mais uma vez e correu como no dia anterior, à noite, após deixar sua bolinha de lado e deitar um pouco na cama percebeu que a hora se aproximava. Eram 00:20 quando percebeu que seus pais estavam dormindo, buscando fazer o menor barulho possível naquela velha escada ruidosa, caminhou a passos leves até descer até a cozinha, lá, sabia onde a chave do carro de seu pai estava, puxou uma cadeira, encostou-a no armário ali próximo, em seguida subiu em cima dela e puxou de cima do armário um pote de biscoito, atrás do pote encontrou a chave, e a guardou no bolso de sua calça, empurrou o pote até a posição inicial, desceu da cadeira, a colocou no lugar, então caminhou sutilmente até a garagem e tentando fazer o mínimo de barulho possível, para não acordar ninguém, saiu com o velho possante de seu pai, como tinha baixa estatura, tinha dificuldade de alcançar os pedais, mas ainda assim sabia pilotar como um adulto. Ligou o rádio e passou a ouvir os hits que tocavam na programação local, a polícia do município raramente trabalhava a essas horas, eram um tanto quanto ausentes, afinal não havia tanta dificuldade na segurança, então o garoto teve certa tranquilidade para alcançar seu destino. Uma hora depois, atravessando cercada de 55 quilômetros pela rodovia, finalmente encontra uma inscrição numa placa dizendo: “Milharal Gualberto”, entrou então num trecho estreito de terra batida, e tentando não chamar atenção, estaciona o carro à cerca de 500 metros do Moinho Sete Quedas, e passa a caminhar pelo meio da plantação, que por sinal estava em época de colheita. Calisto percebe que é o primeiro dos três a chegar ao local, em seguida, decide esperar pelos seus companheiros de missão.
Cerca de vinte minutos após chega um ônibus muito estranho, o menino pensa ser a alta cúpula dos Farinheiros, mas para sua surpresa, o veículo com a faixa amarela nas laterais escrita “Escolar” estaciona ali perto e desce Ramon, o único passageiro, no que ele desembarca, o motorista fecha a porta, faz o contorno e vai embora.
Ramon como sempre estava vestido de maneira elegante, botas longas, uma blusa de lã preta, lenço de rosas estampadas preso em seu pescoço, suas madeixas negras chamam a atenção, e como sempre com o cigarro na boca e a vela na mão, desta vez era amarela. No que ele começa a caminhar em direção ao moinho, o menino que estava ali escondido no milharal apenas observando decide aparecer, o homem nota e o cumprimenta:
- Saudações menininho! Achei que iria mijar nas calças de medo ou que papai não iria deixar vir aqui, pelo visto me enganei!
O menino faz um instante de silêncio, então olha para o homem e responde:
- Você como sempre está subestimando, você é que deveria ficar em casa, como é que um homem que usa essas roupas pode participar disso?
Ramon sorri ironicamente, então diz:
- E Sebastian?
O menino apenas balança a cabeça negativamente, indicando que o último esperado ainda não estava presente, então questiona:
- O que você fazia num ônibus escolar nessas horas?
- O motorista é meu conhecido, apenas pedi um favor a ele, mas e o que você tem a ver com isso? É da sua conta moleque enxerido? – retruca Ramon.
- Eu esperava que você que anda tão elegante viesse de limusine, ou mesmo de rabecão, já que parece um defunto ambulante! – responde o garoto.
- Antes defunto do que um pirralho chato igual você.
No que o homem termina a frase, Sebastian aparece do meio do milharal, faltavam apenas cinco minutos para a reunião começar, e nenhum dos dois que estavam ali entendem de onde o outro apareceu, tomando um susto quando ele tira a cabeça de dentro da plantação.
- Veio de disco voador Sebastian? Estávamos esperando! – Pergunta o defunto ambulante.
- É, eu gosto de fazer entradas triunfais! – responde.
- Você chama isso de triunfal? Isso foi ridículo – pergunta, rindo da situação.
- Ridículo é você andar com essa vela na mão, é procissão por acaso? – questiona o homem de chapéu.
Então o garoto que estava apenas observando a movimentação ali no Moinho decide acabar com a conversa fiada:
- Pessoal, parece que eles já chegaram! Vi uma luz ali atrás daquela parede – aponta – é como o rei disse, é hora da gente penetrar!
Eles então se calam e passam a caminhar em direção a um portão.
A lua minguante ilumina parcialmente o caminho, e o cantar dos grilos dá um tom interiorano, todos eles agem discretamente, na medida em que se aproximam, passam a ouvir vozes vindas de trás do lugar, parece haver pelo menos seis pessoas na reunião, mas os três enviados de vossa majestade prosseguem e percebem que o portão de entrada ali em sua frente estava trancado, sem muitas delongas, Sebastian tira um arame do bolso e usa suas técnicas inspiradas em McGyver para com facilidade abrir o cadeado e liberar a entrada, admirado com tal feito os dois olham para o sujeito do chapéu e questionam:
- Onde você aprendeu isso?
- É uma longa história, companheiros, longa história! – exclama.
Sem fazer muito barulho eles entram no local, mas percebem apenas uma completa escuridão, como não podiam chamar a atenção, preferem não acender as luzes, se locomovendo pelo tato e pela luz da vela de Ramon.
- Pelo menos essa vela de cemitério serviu pra alguma coisa – diz Sebastian, não perdendo a oportunidade.
 Todo aquele ambiente parece estar extremamente bagunçado, mas o que os atrai a atenção é que justamente o escritório, no segundo andar, após um lance de escadas próximo das máquinas, estava com as luzes acesas.
- Será que tem alguém lá? – Questiona Calisto.
- É provável – Responde Ramon.
Eles caminham mais sutilmente ainda se aproximando das escadas, tentando observar se há realmente alguém naquele local.
Então Ramon diz:
- A vela diz que não há ninguém, vamos em frente.
Calisto e Sebastian se encaram por um instante e então o homem de chapéu diz:
- O quê? A vela disse? Só pode ser piada! Temos de andar atentos, pode sim ter alguém lá, afinal quem deixaria as luzes acesas há essas horas?
- Pode confiar Sebá – chamando seu companheiro pelo apelido – Ela nunca se engana – responde Ramon.
Ainda não acreditando nisso, todos sobem o lance de escadas e realmente, a vela estava certa, a sala parecia estar vazia e silenciosa, então entram lá, abrem a segunda gaveta na mesa do responsável pelo lugar, mas para a surpresa deles, não havia envelope algum lá.
- Alguém tirou daqui – exclama Sebastian – deve ser por isso que a luz ficou acesa, alguém entrou aqui recentemente e pegou o envelope!
- Temos de nos dividir e procurar, segundo o mestre ele tem que estar aqui em algum lugar, Calisto procure lá em baixo, Sebastian procura aqui no segundo andar e eu procuro aqui no escritório! – Ordena Ramon.
Todos seguem as ordens, o menino desce as escadas, e na escuridão passa a procurar pelo envelope pelos cantos, nas gavetas e porta-objetos que haviam naquele lugar, já Sebastian, sai do escritório e passa a fazer o mesmo pelo segundo andar, havia uma janela ali próxima que fica de frente para onde está ocorrendo a reunião, a luz da lua a ilumina, ele vai até lá para observar o encontro entre os Farinheiros, e se surpreende com algo, ele volta até o escritório, onde Ramon revira todas as gavetas e escaninhos e diz:
- Cara, o delegado tá lá em baixo! Eles estão em cinco no total, eu só reconheci o delegado Heitor, o que ele pode estar planejando com isso?
- Na verdade não são cinco Sebastian! – responde.
- O quê? Como você sabe? Você viu também? A vela te disse?
No que Sebastian termina a frase, a resposta aparece, um sujeito armado aparece no escritório, apontando a arma para eles, sujeito obeso, barbudo, com uma camisa xadrez e cara de poucos amigos, olha fixamente para a cara dos dois, que se calam, é quando o homem diz com uma voz grave:
- Eu estava esperando vocês!
Com uma mão segurando a pistola, na outra ele carregava o envelope que eles procuravam.
- É isso aqui que vocês vieram pegar não é? – questiona, mostrando o envelope em suas mãos – Vamos, respondam seus patetas! É o fim da linha pra vocês!
Nesse momento, os dois sujeitos se amedrontam e ficam em silêncio, até mesmo Sebastian que dificilmente fica quieto.
O homem de camisa xadrez ri alto e diz:
- Desçam, eu quero lhes apresentar para o pessoal lá embaixo, quando me disseram que viria alguém a mais na reunião eu acreditava ser alguém respeitável, mandaram vocês, um com um chapéu brega e o outro com esse lenço ridículo! – ele ri novamente, apontando a arma ele faz os dois descerem as escadas e irem em direção aos outros representantes da cúpula.
Quando passavam pelo portão em que entraram no moinho, os dois enviados pelo rei tem mais uma surpresa. Ouvem um estalo próximo e quando olham para trás veem o homem que os apontava a arma estava caído no chão, sangrando na região da cabeça, havia sido baleado, nisso aparece Calisto, com um revólver na mão, que grita:
- Corram, fujam, os outros caras vão vir logo! Encontrem-me na beira do asfalto!
Todos saem correndo com pressa, Calisto pega o envelope que estava na mão do sujeito e sai atrás.
É de certa forma estranho uma pessoa pisar por tanto tempo nesses pastos terrenos e acabar entrando em um caminho que o leva ao fim do que poderia durar muito mais, essa é a questão: Seria então a vida uma forma de planejamento? De escolher os caminhos mais seguros? Ou seria uma questão de se arriscar, de se ferir, de conhecer o irreconhecível às outras pessoas? O final tem data marcada para todos? Ninguém poderia responder, não se há respostas para esse tipo de questionamento.
Quase vinte minutos após, parecia que despistaram os suspeitos correndo pelo milharal, e agora estavam ali na beira do asfalto, como havia sido estipulado.
- De onde tirou aquela arma garoto? – questiona Ramon.
- Quando eu desci eu ouvi passos ali perto, mas como estava muito escuro, ele não pode me ver, eu havia pensado nessa possibilidade ontem, de alguém aparecer, por isso peguei escondido a arma do meu pai e deixei guardada. Eu achei que vocês pensariam nisso também – respondeu.
Com um riso um tanto quanto envergonhado, Sebastian diz:
- Nós pensamos, é, pensamos, poxa, nós te devemos essa!
Ramon então diz:
- Aquele cara sabia que nós viríamos, mas não sabia nossa identidade, se sairmos logo podemos não levantar suspeitas, mas antes vamos conferir o envelope!
Então, o garoto pega o envelope que estava lacrado e rasga na borda, tirando um papel de dentro.
- O que está escrito aí? – pergunta Ramon.
O garoto então lê:
- “Boa noite meus caros companheiros, pelo que percebo conseguiram atingir seu objetivo, eu os parabenizo pela coragem e dedicação, encontrem-me na casa da árvore, Rua das Astorgas, 475, segunda-feira, no mesmo horário, preciso lhes dar novas instruções. Assinado: Vossa Majestade”.
- Eu não acredito que tivemos de fazer tudo isso só para conseguir um bilhetinho! Ele só pode estar de brincadeira com a nossa cara, eu quase morri por nada? – indagou Sebastian.
-  Isso eu acho que só ele nos dirá – responde Ramon.
- Pessoal, querem uma carona até a cidade? Deixei o carro aqui próximo. – pergunta o menino.
- Mas de novo com essa história moleque? Seu pai veio junto? – questiona Ramon.
- Não, ele deve estar dormindo, tenho de passar no posto antes e abastecer para que ele não perceba que eu peguei o carro, o marcador de distância tá quebrado! – responde.
- Bem, depois de hoje eu não duvido de mais nada, afinal você sabe atirar como ninguém, vamos lá então! Deixe-me na Praça da Igreja – diz Sebastian.
- Pode me levar até a Rua da Prefeitura! – diz Ramon.
Alguns minutos depois, estava lá em seu quarto o menino, como se nada tivesse acontecido, já se tinha passado das três, e era hora de deitar, deixou a chave no lugar, o revólver também, com o cuidado de repor a bala que gastou, seu pai às vezes o presenteava com cartuchos para ele enfeitar seu quarto, com isso era fácil disfarçar o cartucho faltante.
Confusas tardes de piquenique, confusos dias de chuva, armários que mudam de lugar, que modificam conforme a luz da lua.

3 comentários:

Belinda disse...

Estou adorando!

Derek Matthews disse...

Eu fico feliz pelo seu comentário :)
Estou fazendo aos poucos uma revisão nesse capítulo,
Ele é especial pra mim porque tenho passado algumas dificuldades ultimamente relacionadas à saúde e segurança, mas tudo está se resolvendo aos poucos e isso me dá motivação para continuar,
Obrigado e logo logo virão mais!

Rocco Contestti disse...

Cara, que perfeição! Quero mais! /Rocco

 

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